Publicado por Rafael Resende
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Acupuntura: Como funciona?

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Para muita gente, a pergunta do título não tem resposta. Não é raro encontrar quem ache que a Acupuntura é apenas um placebo. No entanto, sabemos que o estímulo desencadeado pela inserção das agulhas alcança o sistema nervoso central e promove a liberação de diversas substâncias, em especial os neurotransmissores, levando a importantes efeitos analgésicos e anti-inflamatórios e a ações sobre a regulação do metabolismo, da imunidade e, inclusive, das nossas emoções.

Esses efeitos se dão em três níveis: local, espinhal e supraespinhal. O efeito local (ou periférico) envolve algumas reações químicas que ocorrem após a inserção das agulhas. Entre elas, podemos citar a liberação de óxido nítrico, substância que provoca a dilatação dos vasos sanguíneos fazendo com que cheguem mais oxigênio e nutrientes para a região agulhada e, assim, melhorando a dor. Há também uma redução de substâncias inflamatórias (incluindo uma conhecida como fator de necrose tumoral), diminuindo a inflamação local, e um aumento na liberação de adenosina, que tem propriedades analgésicas.

O mecanismo espinhal (ou segmentar) se refere à ação da Acupuntura sobre a medula espinhal e está relacionado ao chamado portão da dor. Esse portão seria uma espécie de comporta localizada numa área da medula espinhal conhecida como substância gelatinosa e que, quando aberta, permitiria a passagem dos estímulos dolorosos. A inserção das agulhas de Acupuntura provoca uma dor aguda, de alguns segundos de duração, que viaja até a substância gelatinosa e fecha o portão da dor. Com o portão fechado, os estímulos de dor crônica (aqui entendida como qualquer dor que dura mais do que alguns segundos) – que viajam por fibras nervosas diferentes daquelas que veiculam a dor aguda – são bloqueados, produzindo analgesia.

O mecanismo espinhal envolve também nossos arcos reflexos: o estímulo gerado pelo agulhamento é conduzido por fibras nervosas sensitivas até a medula espinhal e ativa uma resposta de relaxamento dos músculos. Isso explica por que a Acupuntura melhora condições como os torcicolos e os espasmos musculares.

Uma terceira forma de ação do mecanismo espinhal da Acupuntura diz respeito ao controle do sistema nervoso autônomo, responsável pelo controle dos órgãos internos e pelo equilíbrio do organismo. Através desse mecanismo, a inserção das agulhas ativa fibras simpáticas (um dos componentes do sistema nervoso autônomo; falaremos do outro componente – o sistema parassimpático – mais abaixo), levando a respostas de curto e longo prazo. Essas respostas influenciam as funções das vísceras e permitem, por exemplo, o controle de náuseas e vômitos (uma das indicações mais bem estabelecidas da Acupuntura).

Talvez a principal aplicação desse efeito sobre o sistema nervoso autônomo seja a Auriculoacupuntura, em que inserimos agulhas no pavilhão auricular (ou orelha externa) para obter efeitos a distância. O pavilhão auricular tem várias regiões, inervadas por diferentes ramificações nervosas, e seu agulhamento em determinado ponto estimula um dos ramos do nervo vago, por exemplo. Esse nervo é o maior do corpo humano e é o principal componente do sistema nervoso parassimpático, que, assim como o simpático, também controla várias das funções dos nossos órgãos internos.

Finalmente, o mecanismo supraespinhal (ou suprassegmentar) está relacionado ao que acontece num nível acima da medula espinhal, isto é, no nosso encéfalo. Esse mecanismo é responsável pelos efeitos mais sistêmicos, duradouros e sofisticados da Acupuntura e explica por que o agulhamento de determinados pontos alivia a dor (entre outras repercussões) em locais distantes.

O estímulo gerado pela inserção das agulhas passa pela medula espinhal e então segue dois caminhos: até o córtex cerebral, onde a sensação da ferroada se torna consciente; e até o tronco encefálico, estrutura situada entre o cérebro e a medula. No tronco encefálico, o estímulo ativa neurônios que descem até a medula e contêm serotonina. Esse neurotransmissor é liberado na substância gelatinosa e, por meio de outros neurônios, fecha o portão da dor, bloqueando a passagem dos estímulos de dor crônica.

Do córtex cerebral, o estímulo ativa sequencialmente várias estruturas do cérebro até chegar ao hipotálamo, importante na regulação do metabolismo e das emoções. Os neurônios do hipotálamo se comunicam com os do tronco encefálico, onde liberam uma substância conhecida como beta-endorfina. Essa substância é semelhante à morfina, um potente analgésico usado especialmente para alívio da dor em pessoas com câncer. A ação da beta-endorfina desencadeia a mesma cascata que, através da serotonina, culmina no fechamento do portão da dor, conforme descrevemos acima.

Além da serotonina, outro neurotransmissor importante no mecanismo supraespinhal da Acupuntura é a noradrenalina. Sua ação ainda não está completamente esclarecida, mas já sabemos que é muito semelhante à da serotonina, exceto pelo fato de que a própria noradrenalina é capaz de fechar o portão da dor, sem necessitar de neurônios intermediários.

Autor

Dr Rafael de Castro Resende

Dr Rafael de Castro Resende

Acupunturista, Psiquiatra

Especialização em Residência Médica em Psiquiatria no(a) Hospital Ulysses Pernambucano - Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco).