Publicado por Rafael Resende
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Tratamento da depressão com spray nasal: é possível?

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Na década de 1980, quando surgiu a fluoxetina (Prozac), tínhamos a ideia de que a depressão era uma doença aguda e facilmente tratável com o uso de medicações por cerca de seis meses. No entanto, o conhecimento que temos hoje nos mostra que ela é na verdade uma doença crônica, recorrente e sistêmica (isto é, afeta nosso corpo como um todo, não apenas o cérebro ou o sistema nervoso), com grande impacto na qualidade de vida. Estima-se que a expectativa de vida de pessoas com depressão seja dez anos menor que a da população em geral.

Apesar de os primeiros antidepressivos terem surgido nos anos 1950, seus efeitos terapêuticos ainda são precários. Estudos têm visto que eles levam a uma redução de sintomas de menos de 42%. E quanto mais tempo uma pessoa passa com sintomas, menor a chance de melhora, levando ao que conhecemos como depressão resistente a tratamento. Esse quadro é definido como a ausência de melhora com duas tentativas de tratamento com antidepressivos diferentes e acontece entre 36 e 46% dos casos.

Nesse contexto, tem havido uma crescente busca por medicações que tenham um mecanismo de ação diferente dos antidepressivos atuais, e recentemente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso do spray nasal de escetamina (ou esquetamina) no Brasil. Diferente dos antidepressivos tradicionais, que atuam sobre a serotonina, a noradrenalina e a dopamina (neurotransmissores ligados à sensação de prazer e bem-estar), a escetamina age sobre um outro neurotransmissor, o glutamato. Essa molécula melhora a conexão entre os neurônios e estimula regiões do cérebro ligadas às emoções.

Acredita-se que a atividade do glutamato nessas regiões esteja diminuída em pacientes com depressão, e essa diminuição é proporcional ao número de episódios depressivos prévios. Dito de outro modo: quanto mais episódios depressivos uma pessoa teve, menor a atividade do glutamato em seu cérebro e maior a chance de ela se beneficiar do uso da escetamina.


Para quem é o tratamento com escetamina intranasal?

Se o benefício da escetamina intranasal aumenta conforme o número de episódios depressivos prévios, podemos entender por que a principal indicação de seu uso é na depressão resistente a tratamento. A combinação dos antidepressivos tradicionais e acompanhamento psicológico continua sendo a estratégia de primeira linha para os casos de depressão não resistente. A escetamina também pode ser usada em quadros de depressão associados ao transtorno bipolar que não responderam aos tratamentos convencionais e também quando a pessoa manifesta ideação suicida.

 

Quais são os efeitos adversos?

A escetaina intranasal pode provocar efeitos dissociativos (que são como um “desligamento” da realidade), ansiedade, sensação de embriaguez, náuseas, tontura, vertigem, aumento da pressão arterial, taquicardia e alucinações. Esses efeitos, em especial a dissociação, costumam se restringir às duas primeiras horas após a aplicação.

 

Como é o tratamento?

A escetamina produz melhora dos sintomas depressivos já nas primeiras duas horas após o uso, mas quanto maior o número de aplicações, maior a chance de melhora completa e mais duradouro é o efeito. Assim, o medicamento não se presta para uso único; na maioria dos casos, são feitas de 12 a 16 aplicações, sendo duas por semana nas primeiras quatro semanas e as restantes nas semanas seguintes, podendo-se espaçar a frequência para quinzenal ou mensal.

Até o momento, a aplicação da escetamina intrasanal no Brasil está liberada apenas em hospitais e clínicas especializadas, por causa de seus possíveis efeitos adversos. Após o uso, é necessário que o paciente fique em observação. Também é necessário que esse tratamento esteja sempre associado à tomada de algum antidepressivo oral.

Autor

Dr Rafael de Castro Resende

Dr Rafael de Castro Resende

Acupunturista, Psiquiatra

Especialização em Residência Médica em Psiquiatria no(a) Hospital Ulysses Pernambucano - Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco).